
Nesse mês, as condutas de bullying e cyberbullying se tornaram crimes no Brasil, foram inseridos pela Lei nº 14.811/24 no artigo146-A do Código Penal Brasileiro[1]. Essa legislação promoveu mudanças relevantes no Código Penal e no Estatuto da Criança e Adolescente, sendo uma resposta direta aos crescentes casos dessa violência, que foram acentuados pelo avanço tecnológico.
A conduta proibida é a “intimidação sistemática” exercida por meio de violência física ou psicológica, de modo intencional e repetitivo, (supostamente) sem motivação evidente, abrangendo atos de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais. Pode ser exercida, e também sofrida, individual ou coletivamente.
Notavelmente, quando praticado online, por meio de rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou outro meio ou ambiente digital, ou, ainda, quando transmitida em tempo real, a conduta é consideravelmente agravada, o que evidencia a relevância desse novo crime informático. No bullying, a pena é de multa, apenas; enquanto no cyberbullying, além da multa, há a possibilidade de reclusão de 2 e 4 anos.
Apesar da boa intenção do legislador, que está inserido no contexto do sistema naturalmente punitivista brasileiro, há críticas consideráveis a respeito desses novos tipos penais. Sem entrar tanto nesse mérito, salta aos olhos alguns problemas textuais e de redação. A escrita do artigo está muito longa e prolixa, redundante e sem nexo entre os elementos normativos. Por exemplo, menciona intimidar por atos de intimidação, diz sem motivação evidente, mas destaca atos de humilhação ou discriminação, que são típicas formas de motivação.
Além de problemas apontados, que fatalmente atrapalharão a aplicação prática, ainda há que se destacar que o bullying, sobretudo, mas também o cyberbullying, são condutas muito mais comuns entre crianças e adolescentes, os quais não são destinatários naturais de norma penal[2] e sobre os quais (normalmente) não recai tanta preocupação/medo sobre sistema penal ou carcerário (e nem deveria, de fato).
A verdade é que a criação de crimes desse tipo não é suficiente para se alcançar o objetivo que os justifica: a mitigação até a completa extinção da prática de referidos atos de violência. Isso porque a prática de tais atos advém de comportamentos enraizados e socialmente repassados. Seria importante o acompanhamento por programas educacionais e preventivos, que podem trabalhar na raiz do problema, promovendo valores e sentimentos de empatia e respeito desde a primeira infância (algo próximo do que se tenta fazer com as políticas de enfrentamento à violência de gênero, em concomitância com o combate criminal).
Se nesse âmbito há dificuldade de configuração de referidos crimes, por outro lado, em jogos online a coisa muda de figura. Jogadores de Counter Strike, Call of Duty, League of Legends e demais correlatos sabem bem como o trash talking[3] é uma ferramenta muito utilizada para desestabilizar o adversário. Com isso, a linha entre o espírito esportivo/competitivo e o cyberbulliyng se torna bastante tênue. Caso as ações verbais configurem humilhação continuada e o destinatário se sinta intimidado dessa forma, poderá de fato denunciar a prática do ilícito penal. E nesse contexto já temos maiores de 18 anos, já que crianças e adolescentes, em tese, sequer poderiam estar online nesse tipo de jogo.
Por fim, a lei também estabelece uma agravante para o crime de homicídio quando cometido contra menor de quatorze anos (que já é qualificado) em instituições de educação básica[4]. Para o crime de indução, instigação ou auxílio ao suicídio ou a automutilação, em que já havia aumento de pena quando praticado em contexto informático[5], ainda foi inserido novo aumento se o autor for um líder ou administrador de grupos online[6]. A lei também incluiu no rol de crimes hediondos atos como o induzimento ao suicídio via redes sociais e a produção e distribuição de conteúdo sexual envolvendo crianças e adolescentes, o que visa fortalecer a proteção legal às crianças e adolescentes, que frequentemente são as principais vítimas desses crimes. Essas mudanças demonstram uma preocupação profunda com os desafios impostos pela era digital.
É evidente que, além das medidas punitivas, é essencial investir em educação e conscientização, tanto para prevenir a ocorrência desses atos quanto para promover um ambiente digital mais seguro e respeitoso. A implementação dessa legislação deve ser acompanhada de esforços contínuos, especialmente em escolas, para educar e sensibilizar a sociedade sobre a gravidade do bullying e do cyberbullying, abordando as raízes culturais e comportamentais desses fenômenos. Somente assim poderemos esperar uma mudança significativa e duradoura no comportamento social, garantindo um ambiente mais seguro e inclusivo para todos.
[1] Intimidação sistemática (bullying)
Art. 146-A. Intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais:
Pena – multa, se a conduta não constituir crime mais grave.
Intimidação sistemática virtual (cyberbullying)
Parágrafo único. Se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real:
Pena – reclusão, de 2 (dois) anos a 4 (quatro) anos, e multa, se a conduta não constituir crime mais grave.
[2] Apenas adolescentes entre 16 e 18 anos poderiam ser implicados em tal conduta ilícita, mas como ato infracional, nos termos do que dispõe o Estatuto da Criança e Adolescente. Ademais, sendo caso de bullying, provavelmente restaria para os seus responsáveis pagarem a multa, já que dificilmente esse adolescente terá renda própria.
[3] Segundo a wikipedia: “conversa fiada”, “uma forma de insulto falado, geralmente encontrada em eventos esportivos, embora não seja exclusiva de esportes ou eventos caracterizados de forma semelhante”.
[4] Art. 121. Matar alguém: […] § 2º-B. A pena do homicídio contra menor de 14 (quatorze) anos é aumentada de: […] III – 2/3 (dois terços) se o crime for praticado em instituição de educação básica pública ou privada.
[5] Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça: […] § 4º A pena é aumentada até o dobro se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitida em tempo real.
[6] § 5º Aplica-se a pena em dobro se o autor é líder, coordenador ou administrador de grupo, de comunidade ou de rede virtual, ou por estes é responsável.